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Pessoas Negras estão autorizadas a desistir?

 


Esses dias estive pensando sobre sonhos, sobre conquistas e sobre como calculamos nosso próprio sucesso (ou insucesso). Certa vez ouvi a cantora Lizzo dizer numa entrevista que ela não aceita que digam que, antes de ser famosa, ela era menos artista porque tinha menos fãs ou era menos bem sucedida porque tinha menor visibilidade. Ela também disse algo sobre ter dado “sorte” de se tornar super famosa. E eu acho isso interessante porque muitas vezes ouço as pessoas ao meu redor falarem sobre a minha própria sorte. Sobre como tudo de ruim eu acabo transformando em algo bom.

E isso faz parecer, indevidamente, que eu sou uma romântica incurável. Imagina ser uma pessoa capaz de transformar tudo de ruim em algo maravilhoso? Pior ainda é não perceber que eu sou assim, intencionalmente ou não. O que eu sei é que eu acredito em tempo certo para as coisas acontecerem, mas não fico sentada esperando, sabe? Sou dessas que joga para o universo, reza para todos os santos e santas, toma banhos de folha, procura saber dos búzios e das cartas de tarô, enfim, eu transito entre crenças, religiões e energias, sem nunca parar de correr atrás do que eu quero ou do que eu acho que quero naquele momento específico da minha vida.

E esse negócio de ser uma pessoa preta nos corres cotidiano é cansativo e desumanizador, viu? Algumas pessoas falam sobre eu precisar parar de correr ou questionam o motivo da corrida. Outras ignoram que a gente se rasga, se quebra em mil pedacinhos, se divide (como se fôssemos um pedaço de carne e não um ser humano) em prol de conquistar nossos sonhos e, ao mesmo tempo, dar conta de tudo sem perder nenhuma oportunidade porque oportunidades não caem do céu e não surgem do nada, às vezes, toda essa correria é só para criarmos oportunidades. Então, como não tentar agarrá-las?

Mas, cada vez mais, tenho me questionado se dá para viver como se a vida fosse um barema. Porque nós, pessoas pretas intelectuais, já sabemos que a vida não cabe no Lattes, mas será que dá para viver seguindo o barema imposto pelo ‘cis’tema? Será que vale a pena? Será que ao menos é recompensador?

Conceição Evaristo refletiu sobre conseguir “chegar lá” através dos estudos, ela disse: “— Me incomoda muito dizer: “Se você estudar você consegue.” Não é assim para todo mundo. “Ah, mas você conseguiu.” Eu falo: “Eu estou com setenta anos.” Então foi preciso chegar a 70 anos para conseguir. Entende?”

E eu me vejo pensando em quantos de nós morreram sem nunca conseguir chegar lá... E, ao mesmo tempo, me questiono: Mas será que nós, pessoas negras, estamos autorizadas a desistir de tentar?


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