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Quem paga a conta?



Senta que lá vem textão! 
(Texto originalmente publicado no meu perfil do facebook em 13 de agosto de 2018)
  
Pensei que já havia conversado sobre isso por aqui, mas percebi que não. Então, bora conversar?

Sinceramente, eu tô cansada de ouvir frases como:

Frase 01: “— Em pleno 2018 e ainda tem mina que deixa o cara pagar a conta.”

Frase 02: “— Só é feminista na internet, nos rolês fica esperando os caras bancar.”

Frase 03: “— Ela é interesseira sim, saímos juntos e ela queria que eu pagasse o lanche dela.”

Ouço coisas assim e fico me questionando onde está o bom senso das pessoas, porque parece que em determinadas situações ele evapora ou sequer existiu.

SOBRE A FRASE 01: Gente, o fato de ser, ou não, dois mil e dezoito não tem nenhuma relação com deixar ou não o cara pagar a conta, até porque cotidianamente caras fazem o que eles querem fazer, sendo assim, nem é sobre a nossa permissão, ok? O cara só paga a conta se ele quiser pagar. Inclusive, se ele não quiser pagar ele não irá e não tem “obrigatoriedade de gênero¹” capaz de forçá-lo a pagar conta nenhuma.

SOBRE A FRASE 02: O que o feminismo tem a ver com isso? Sério, me diz: O que o Feminismo tem a ver com o fato da mina gostar de ser bancada por homens? Aliás, qual é o problema se a mina gosta de ser bancada e encontra homens que estão dispostos a bancá-la? Sinceramente, não sei onde está o problema nisso. Apesar de nunca ter sido bancada por homem nenhum e ter aprendido desde muito cedo com o meu pai que não dá para esperar nada de homem, — pelo contrário, painho me ensinou que depender de homem é uma desgraça —, não vejo nada de errado nisso.

SOBRE A FRASE 03: É impossível não ri de situações como essa... Um simples diálogo antes de sair resolveria o inconveniente e ninguém precisaria sair esculhambando ninguém por causa de um lanche, né? Mas, o diálogo está tão escasso... Dá até tristeza!


DEIXA EU DIZER UMA COISA IMPORTANTÍSSIMA PARA VOCÊS: Inúmeras pessoas (em especial os homens) acham que o “pagar a conta” tem relação apenas com questões de gênero e sexualidade, ou, como li hoje: “obrigações de gênero” que faz referência a heteronormatividade, que por sua vez, consiste em situações nas quais orientações sexuais diferentes da heterossexual são marginalizadas, ignoradas ou perseguidas por práticas sociais, crenças ou políticas.

Como afirmam Analídia Petry e Dagmar Meyer: “A heteronormatividade visa regular e normatizar modos de ser e de viver os desejos corporais e a sexualidade de acordo com o que está socialmente estabelecido para as pessoas, numa perspectiva biologicista e determinista, há duas – e apenas duas – possibilidades de locação das pessoas quanto à anatomia sexual humana, ou seja, feminino/fêmea ou masculino/macho.³”

Mas, não é bem assim. O “pagar a conta” está diretamente relacionado com raça e classe também, falo isso por perceber que pouquíssimos foram os homens que se disponibilizaram para pagar quaisquer coisas para mim e isso não é coincidência. Na verdade, essa não é uma experiência exclusiva minha, assim como, a dificuldade em aceitar que homens paguem coisas para mim. E mesmo sendo algo extremante raro, quando acontece eu fico muito sem jeito, porém, nunca me senti ofendida, constrangida ou menos feminista ao aceitar (apenas desconfortável e/ou em choque, rs).

Sinceramente, não consigo ver constrangimento em aceitar que uma pessoa que ganha entre 2 a 4 mil reais se disponibilize a pagar 20 reais em um lanche para uma pessoa que ganha uma bolsa estudantil no valor de 400 reais. E não é sobre a pessoa que ganha 400 reais não poder pagar seu lanche, é sobre poder aquisitivo, estabilidade financeira, ou seja, estar numa situação financeira favorável². Como supracitei: Costumava me sentir desconfortável quando um homem se oferecia para pagar algo para mim por não compreender que não sou interesseira só porque um cara quis, por livre e espontânea vontade, pagar algo que eu consumi.


Vejamos uma situação/pergunta que eu ouço/leio bastante:

SITUAÇÃO: “— No motel quem paga a conta?”

Algumas pessoas me dizem que a resposta muda conforme as configurações da própria relação. Inclusive, já ouvi que em relações homoafetivas a conta tende a ser dividida, enquanto que nas relações heterossexuais o homem deve pagar.

MINHA RESPOSTA: “— A conta deve ser dividida independente de ser uma relação heterossexual ou não. No entanto, não tem nada de errado ou constrangedor se dentro da relação existe uma pessoa numa situação financeira favorável que optou por pagá-la.”



NOTAS:

01. Obrigatoriedade de Gênero: Faz menção a nossa socialização machista que coloca como obrigatoriedade do homem ser o provedor de sua esposa, ou seja, ainda existe a crença de que quem deve pagar a conta seja do motel ou do restaurante é homem.

02. Situação Financeira Favorável: Consiste numa pessoa estar financeiramente estável. Coloco pessoa por compreender que as relações afetivas são distintas e estar numa situação financeira estável não é característico apenas de um gênero e/ou raça. Todavia, cabe aqui salientar que nos relacionamentos heterossexuais é comum os homens estarem numa situação financeira favorável já que a nossa sociedade é machista e patriarcal fazendo com quem mulheres recebem menos mesmo quando desenvolvem o mesmo trabalho que os homens e esse agravante se torna ainda mais latente quando fazemos o recorte de raça, ou seja, mulheres negras recebem ainda menos simplesmente por serem Mulheres Negras.



P.S.: Na sua opinião quem deve pagar a conta? Deixa sua opinião aí nos comentários!

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