24
de Agosto de 2015
O frio chegou de vez hoje. Chegou de
mansinho, nem pediu licença, e me tomou em seus braços. Também não lutei
contra. Só me deixei carregar até a cama, procurando com pouco ânimo o calor
perdido. Mas não encontrei o caminho para a fuga.
Pensei na minha mãe e no meu pai.
Não costumo pensar neles, a não ser em dias assim. Lembro-me quando era criança
e adormecia no carro, ao voltar de viagens de campo. Chegávamos na cidade e eu
ouvia o carro parando, e eu sabia que havíamos chegado em casa, mas eu me
recusava a abrir os olhos. Sabia que estava seguro ali, entre os dois. Meu pai
sabia que eu estava acordado, mas forçava a coluna já desgastada e me pegava no
colo. Eu continuava de olhos fechados, encolhia-me mais, como se fosse possível
apequenar-me até ser um bebê de novo. Deixava-me no sofá ou na cama, e eu
sentia a mão e o beijo de boa noite deles, despedindo-se de mim só por aquele
dia. O frio nunca chegava perto de nós, só o sono, que voltava segundos depois para
recolher o que lhe pertencia.
Olhei para os copos vazios sobre a
escrivaninha. Eram nossos. Dois deles, abandonados há dias, mas que trouxeram o
Léo aos meus pensamentos e o seu sorriso meio atrapalhado. Talvez ele pudesse
afastar a atmosfera gélida. Fecharia todas as janelas, me cobriria com a colcha
azul e me envolveria com a perna. Eu me aconchegaria, também, e esconderia o
rosto entre o seu peito e a cama. Mas ele não veio, e os copos continuam
esquecidos sobre a escrivaninha.
E então voltei os olhos para o
computador. Um site pornô qualquer poderia me ajudar a afastar o calor, mesmo
que por meia hora, no máximo uma. Um monte de caras de corpos esculturais, e
mesmo quando não, sempre endeusados por alguém do outro lado. Senti o resquício
de aversão. Não pela masturbação. Nunca por algo assim, sexual. Mas sim a
pontada da mesma irritação adolescente que me segue desde sempre, desde que
ouvia minha irmã mais velha me dizer o quão feinho eu era, desde que andava com
o Victor num bar e todos os olhares o seguiam, desde a semana passada quando
mais um dentre mil chegou ao Gui e implorou atenção sua. Cellophane, Mr. Cellophane.
Balancei a mão e afastei a ideia da cabeça. O frio ainda é melhor do que a dor
sobre o chão molhado do banheiro.
Por fim, a janela me chamou a
atenção. Era dali que o frio vinha em rajadas de vento míopes. Levantaria da
cadeira de supetão, a vontade vinda do nada, e derrubaria a cadeira escorraçada
pelo uso e o cinzeiro improvisado sobre o chão poeirento. Cinzas, bitucas de
cigarro e um cigarro ainda meio apagado cairiam no chão. Talvez o tapete
queimasse um pouco. Andaria até a janela, resoluto, escalaria seus quase dois
metros com a ajuda da cadeira plástica. Meus braços me segurariam na janela e
eu gritaria com toda a força que os meus pulmões ainda resguardam. Os poucos
transeuntes das 11 da noite me olhariam, entre risos e estranheza. Eu olharia
para a lua e para os prédios e saberia, naquele instante, que eu poderia voar,
voar para tão longe que jamais me achariam, como eu sempre falava para o
Henrique. Um grande sorriso venceria a superfície congelada do meu rosto
lagunar e zombaria do frio. E então eu saltaria em direção à torre mais alta,
acompanhado pelos gritos surpresos e aterrorizados da multidão vazia.
E teríamos mais um super-herói no
céu escuro do Rio de Janeiro.
0 comentários:
Postar um comentário